Quando Luísa viu aquele par de
calças, foi amor à primeira vista. Acabara de assistir à Missa dominical e,
cumprindo uma antiga rotina, fora tomar a bica do costume no café da praxe, ali
mesmo no centro comercial, a meio caminho entre a sua casa e a igreja
paroquial.
Na homilia, por sinal, o Padre tinha
falado da Quaresma, aconselhando a prática da mortificação cristã, nomeadamente
o jejum na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa, e a abstinência todas
as sextas-feiras. Incomodara-a aquela abordagem, que lhe pareceu anacrónica e
até um pouco disparatada: que tem Deus a ver com a ementa do almoço ou do jantar?!
Que relação há entre o bem da alma e a qualidade do menu?! Na realidade,
parecia-lhe tão improcedente o convite à penitência como lhe resultaria
despropositado que, por absurdo, o seu médico lhe receitasse duas Avé Marias
antes de cada refeição!
O
namoro com aquele trapo de estimação não durou muito pois, com medo de que
qualquer eventual cliente se lhe antecipasse, Luísa foi logo no dia seguinte à
boutique comprar aquelas calças que a tinham fascinado. É verdade que o preço
não era convidativo, mas era um investimento – desculpou-se – pois, decerto,
mais tarde seriam ainda mais caras. Voltou para casa tão satisfeita consigo
mesmo que nem reparou no mendigo que lhe estendera a mão, numa atitude de
humilde súplica, e que, ao contrário de outras vezes, não teve a esmola
costumeira, nem outra resposta do que a indiferença da sua precipitação.
Chegar
a casa e experimentar a compra foi tudo um: desembrulhou com cuidado o presente
que magnanimamente se concedera, retirou as etiquetas e vestiu finalmente as
calças. O tecido era macio e parecia de boa qualidade, a altura era a ideal e a
cor não podia ser mais o seu género. Mas, quando tentou abotoar as calças, não
o conseguiu. Repetiu a operação uma e outra vez, contraindo-se o mais que
podia, mas a verdade é que a cintura estava muito apertada e, por mais que se
esforçasse, o botão fugia à respectiva casa com uma teimosia tão irritante que
Luísa impacientou-se. A diferença era apenas de 1,5 centímetros, mas era o
suficiente para que as calças não lhe servissem e, como na loja não havia
nenhum número maior, resignou-se à rigorosa dieta que se impunha: para grandes
males, grandes remédios!
Foram
dias a fio de sacrifícios, alimentando-se apenas de sopas, frutas, legumes e
iogurtes magros, mas cada milímetro a menos pesava uma tonelada de dolorosas
privações, que Luísa padecia estoicamente, por amor às calças.
Foi
num dia de chuva que, ao atravessar a rua apressadamente, Luísa foi colhida por
um táxi a grande velocidade. A brutalidade do choque, que a projectou a vários
metros de distância, teve o efeito imediato de lhe produzir um sério
traumatismo craniano, que a induziu num estado comatoso. Era confusa a sua
percepção: sentia dores, mas parecia-lhe que não eram dela, embora fossem do
seu organismo. Notou vagamente a azáfama dos populares, polícias, maqueiros,
enfermeiros e médicos à sua volta, mas o torpor do seu corpo desfeito foi
progressivamente alienando-a de tudo o que a rodeava e que lhe parecia cada vez
mais longínquo. O seu último pensamento foi para as suas calças novas, que
estreava.
Depois,
viu-se definitivamente desprendida da sua materialidade e atraída pela
misteriosa luz de um outro mundo. Mas quando se dispôs a cruzar o limiar da
eternidade, Luísa não o conseguiu: por 1,5 centímetros a sua alma não coube na
porta estreita que conduz à Vida.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
(texto extraído do blog Spe Deus |Portugal)
FONTE DA PESQUISA , BLOG :
padreelenivaldo.blogspot.com.br